A nova fórmula de cálculo do IRS representa um agravamento da carga fiscal real das famílias com filhos, o que é um retrocesso na fiscalidade de apoio às famílias e nas políticas de apoio social...
O
Orçamento de Estado (OE), aprovado pelo Governo no passado dia 5 e que agora
está em discussão, trouxe uma medida que representa um aumento real do IRS para
as famílias com filhos e dependentes a cargo. A proposta aprovada define novas
deduções de 550 euros por cada filho e de 525 euros por cada ascendente,
acabando com o regime de quociente familiar criado pelo anterior Governo.
O Executivo
defende que a medida ajuda os que têm menos rendimentos e, assim, as famílias
com salários acima de 690 euros – consideradas “ricas” pelo o atual Governo –
vão pagar mais IRS por mês, mesmo com o desconto de 550 euros por filho e de
525 euros por ascendente a cargo.
Aliás, a nova modalidade só permite utilizar
o valor agora atribuído para o cálculo das deduções em sede de IRS, como uma
despesa de saúde ou de educação, retirando assim o benefício do quociente que fazia
acrescer à dedução o valor de 0,3 % por cada dependente.
Mas, sem
demagogia, façamos um exercício simples. Imaginemos um casal com dois salários
brutos anuais no valor de 14.200 euros que usa o limite das deduções de IRS. Se
calcularmos o IRS a pagar, tendo em conta estas variáveis, tem um aumento real
de imposto de 70 euros por ano se tiver um filho, de 130 euros se tiver dois
filhos e de 200 euros se tiver três filhos.
Ou seja, ao
contrário da campanha de cosmética que o Governo tem tentado fazer, esta nova
fórmula representa um agravamento da carga fiscal real das famílias com filhos,
o que é um retrocesso na fiscalidade de apoio às famílias e nas políticas de
apoio social.
Para que se
compreenda melhor, importa saber que, em dezembro de 2014, em sede de IRS,
estava em vigor o quociente conjugal que definia que o rendimento das famílias
era dividido por dois sujeitos, independentemente dos filhos que tivessem.
A
partir de janeiro de 2015, no âmbito da reforma do IRS, verificou-se a
substituição do quociente conjugal pelo quociente familiar, permitindo que
todos os membros que integrem o agregado passem a contar na divisão do
rendimento para efeitos da sua tributação.
Esta medida
incluía descendentes e ascendentes, desde que o seu rendimento mensal não
ultrapassasse o valor da pensão mínima do regime geral. Ora, quando deveríamos
assistir a um melhoramento da medida do quociente familiar através de um
aumento percentual que permitisse subir acima dos 30% em vigor, assistimos ao
absurdo de verificar que o Governo considera que os nossos filhos possam ser
equiparados a uma despesa de saúde ou educação.
Trata-se de
um agravamento fiscal cego que prejudica as famílias com filhos e que
representa um claro desincentivo à promoção da natalidade em Portugal, que
agrava assim o estatuto de país com uma das piores políticas de apoio às
famílias.
A Associação Portuguesa de Famílias Numerosas (APFN) estima que, com
esta medida, mais de 1 milhão de famílias com filhos venham a ser prejudicadas.
Com o novo
modelo de cálculo do IRS agora imposto aprendemos garantidamente duas lições. A
primeira, que, a partir de 690 euros por mês, o contribuinte é “rico” e,
portanto, se tem filhos, deve ser penalizado com mais impostos.
A segunda é
considerarem que os nossos filhos têm um valor fiscal semelhante a um aparelho
dos dentes, classificando-os como objetos de uma qualquer equação e com isso
desvalorizando que representam o futuro.
Para os que
tinham esperança numa nova perspectiva de apoio social às famílias, aqui fica a
constatação da dura realidade de que a palavra dada nem sempre é palavra
honrada.
publicado in, Jornal OJE
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